Como as leis brasileiras tratam as manifestações políticas em estádios

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 26 de março de 2018 às 14:32
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 18:38
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Desde o último fim de semana, em pelo menos cinco partidas de
futebol disputadas em campeonatos estaduais, torcedores levaram faixas para
homenagear a vereadora Marielle Franco, do PSOL, morta na quarta-feira (14), no
Rio de Janeiro. O caso ainda está sob investigação. Com faixas ou bandeiras com
os dizeres “Marielle presente” e “Marielle vive”, torcedores se manifestaram e,
em alguns desses casos, foram reprimidos pela segurança a serviço do estádio.


Em eventos como a Copa das Confederações ou a Copa do Mundo, é conhecida a
preocupação da Fifa (Federação Internacional de Futebol) com manifestações
políticas. Em seu código de conduta, ela afirma e reafirma a obrigação de todas
as pessoas que trabalham sob a sua sigla de serem “politicamente neutras”. Nas
regras para a Copa deste ano, a ser realizada na Rússia, a entidade diz ser
proibida a “exibição de mensagens ou slogansem qualquer idioma de teor
político, religioso ou pessoal” por jogadores (inclusive em seus corpos). Por
fim, em seu código disciplinar, a Fifa diz que clubes ou federações serão
responsabilizados em caso de má conduta de seus torcedores. Isso envolve, entre
outros, a “exibição de slogans insultuosos ou políticas sob qualquer forma”. No
Brasil, o Estatuto de Defesa do Torcedor (nº 10.671, de 2003) é a lei que cobre
o que é permitido ou não ao torcedor dentro dos estádios. Em seu 13º artigo, a
lei estipula as condições para que um torcedor possa entrar ou permanecer em um
estádio durante uma partida. São elas: Não portar ou ostentar cartazes,
bandeiras, símbolos ou outros sinais com mensagens ofensivas, inclusive de
caráter racista ou xenófobo. Não utilizar bandeiras, inclusive com mastro de
bambu ou similares, para outros fins que não o da manifestação festiva e
amigável.

Para Pedro Trengrouse, professor de direito desportivo da FGV (Fundação Getúlio
Vargas) e ex-vice-presidente jurídico da Federação de Futebol do Estado do Rio,
no caso de o material usado para a confecção da faixa ou bandeira ser
permitido, a manifestação de expressão deveria ter sido protegida. “Não é só o
Estatuto do Torcedor que tem que ser levado em conta aí, mas a Constituição
Federal, que garante a liberdade de expressão”, disse.

O jurista diz ainda que o gestor de um estádio, ainda que seja de natureza
privada, “não está ali para censurar, ele não é um censor”. “O gestor do
estádio está ali para garantir que o evento ocorra garantindo a segurança de
todos e só.” Referindo-se às regras impostas pela Fifa em grandes eventos como
a Copa do Mundo, Trengrouse diz que a entidade internacional tende a achar que
está acima da lei – “tanto é que, para fazer um evento num país, ela pede uma
lei só para ela, como foi o caso da ‘Lei da Copa’ no Brasil” –, mas a livre
expressão deve ser preservada mesmo nesses casos. “O maior exemplo disso foi a
atitude do torcedor brasileiro de continuar a cantar o hino nacional depois de
ele atingir o tempo limite imposto pela Fifa e ser cortado”, disse Trengrouse,
referindo-se à prática que já virou tradições em jogos da seleção. “Nem Fifa,
nem COI [Comitê Olímpico Internacional] podem proibir a legítima expressão das
pessoas no estádio”. O advogado Victor Eleutério, especialista em direito
desportivo, diz que uma posição definitiva sobre o tema depende de uma análise
caso a caso, mas que não há qualquer dispositivo jurídico que proíba
manifestações políticas em estádios no Brasil. No entanto, cabe à direção do
estádio agir caso avalie que alguma atitude da torcida tenha potencial de
causar desordem.  “Como organizador do evento, qualquer manifestação que
seja nociva ou arriscada para a partida deve ser coibida. Mas, na minha
avaliação, esse não me parece o caso”, diz.  Na mesma direção opina o juiz
Ulisses Augusto Pascolati Jr., que atua no Anexo de Defesa do Torcedor do
Juizado Especial Criminal de São Paulo. “O debate está centrado em dois
direitos, à liberdade de expressão e à segurança do torcedor de ir ao estádio”,
diz. “O Estatuto do Torcedor estabelece que a prevenção da violência é responsabilidade
não só do Estado, mas de todos os entes responsáveis pela organização do
evento”, diz Pascolati Jr. “Todos devem avaliar a situação para que problemas
não ocorram.” No caso das faixas e bandeiras, “se não tiverem mastro, haste ou
contenham mensagem ofensiva, racista ou xenófoba”, elas devem ser permitidas.
“Eu acredito que nesse caso da vereadora especificamente, não teria por que
proibir a entrada da bandeira ou da faixa com dizeres de apoio.” A decisão de
remover faixas e bandeiras sem a devida motivação por agente público, “muito
hipoteticamente”, diz o juiz, poderia resultar em um caso de abuso de
autoridade por ferir o direito à liberdade de expressão. No caso de uma decisão
do tipo tomada por um agente privado, a conduta poderia ser entendida como
constrangimento ilegal (artigo 146 do Código Penal) por impor uma obrigação (a
retirada da faixa ou bandeira) sem amparo na lei.

*Esta coluna é semanal e atualizada às quintas-feiras.


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