Ingestão de alimentos fermentados é benéfica ao organismo – entenda

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 25 de maio de 2019 às 23:57
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 19:34
compartilhar no whatsapp compartilhar no telegram compartilhar no facebook compartilhar no linkedin

Cientistas fazem descoberta que poderá ajudar na criação de tratamentos para doenças inflamatórias

A ingestão de bactérias lácteas gera uma série de benefícios ao
corpo humano, assim como a de outros micro-organismos. Por isso, o estudo da
microbiota intestinal tem chamado a atenção de especialistas nos últimos anos. 

Em uma pesquisa voltada inicialmente para questões evolutivas, investigadores
alemães encontraram uma possível explicação para benefícios obtidos. A equipe
percebeu que adaptações celulares em ancestrais humanos e símios permitiram que
eles pudessem comer alimentos não tão frescos, como frutas que caíam das
árvores por estarem muito maduras. Segundo os cientistas, é por isso que, hoje,
acumulamos as vantagens do consumo de lácteos.

Os autores explicam que o estudo começou como uma investigação
sobre proteínas presentes na superfície das células chamadas receptores do
ácido hidroxicarboxílico (HCA). 

A maioria dos animais tem apenas dois tipos
desses receptores, mas os humanos e os grandes símios têm três. “Inicialmente,
queríamos entender por que há um receptor ausente em todas as outras espécies,
mas quando fomos analisar as substâncias conhecidas por ativá-lo, a pesquisa
revelou um cenário incompatível com outros dados evolutivos observados”, conta
ao Correio Claudia Staubert, pesquisadora da Universidade de Leipzig, na
Alemanha, e principal autora do estudo, publicado na última edição da revista
Plos One.

Staubert e sua equipe descobriram que um metabólito produzido
pelas bactérias do D-feniláctico, que é um ácido lático, se liga fortemente ao
terceiro receptor do HCA, sinalizando ao sistema imunológico a sua presença.
“Voltando a uma publicação que mostrou que os metabólitos D-aminoácidos ativam
o receptor, realizamos uma pesquisa maciça na literatura e vimos que as
bactérias do ácido lático produzem esses metabólitos. Ou seja, encontramos um
alvo molecular relevante para substâncias produzidas por bactérias lácticas”,
diz a autora.

A partir da análise, os pesquisadores concluíram
que o terceiro receptor do HCA surgiu em um ancestral comum de humanos e
grandes símios, e isso permitiu às duas espécies consumir alimentos que estão
começando a estragar, como frutas colhidas do solo. “Além dos dados químicos,
essa descoberta gerou uma hipótese evolutiva extremamente plausível”, ressalta
Staubert.

Bernardo
Martins, médico gastroenterologista do Hospital Santa Lúcia Norte, em Brasília,
e membro titular da Sociedade Brasileira de Gastroenterologia (SBG), destaca
que a pesquisa alemã mostra dados extremamente interessantes para a área
médica, mesmo tratando de temas relacionados à evolução. “Vemos que o consumo
de alimentos com as bactérias lácteas trouxe benefícios importantes, como maior
produção e absorção de energia. A possibilidade de poder consumir esses
alimentos que já passaram do estágio maduro nos deu uma extrema vantagem: a
maior disposição de nutrientes que, no passado, nos protegeu mais do que outros
animais”, explica.

Alvo terapêutico

Segundo Claudia Staubert, os dados, além de ajudar no entendimento
da dinâmica evolutiva entre as bactérias e o hospedeiro humano, abrem novas
direções de pesquisa para a compreensão dos múltiplos efeitos positivos da
ingestão de alimentos fermentados. “Estamos convencidos de que esse receptor,
muito provavelmente, é responsável por alguns efeitos benéficos e
anti-inflamatórios das bactérias do ácido láctico em seres humanos”, diz. “É
por isso que acreditamos que ele poderia servir como um alvo potencial para o
tratamento de doenças inflamatórias.”

A equipe cogita que pesquisas futuras ajudarão a
ampliar o poder terapêutico das bactérias lácteas no organismo humano. “Mais
estudos poderão revelar novos detalhes importantes. Por exemplo, como o ácido
D-feniláctico afeta o sistema imunológico e se esse metabólito também afeta as
células de gordura, que também carregam o terceiro receptor de HCA em suas
superfícies”, ilustra a cientista. “Isso tudo torna esse terceiro receptor um
alvo muito interessante para o tratamento de doenças inflamatórias e
metabólicas.”

A próxima etapa da pesquisa será entender como exatamente as
células imunológicas reagem ao serem ativadas pelo receptor e quais são os
mecanismos moleculares subjacentes. “Isso deve ajudar a revelar ainda mais a
relevância do receptor como alvo terapêutico”, frisa Staubert.

Bernardo Martins também acredita que mais
pesquisas são necessárias para chegar à aplicação clínica dos dados obtidos. 

O
especialista ressalta ainda a importância dos estudos relacionados aos
benefícios proporcionadas ao organismo humano pelas bactérias. “Cada vez mais,
temos visto a importância da relação da flora intestinal com atividades
pró-inflamatórias. Entender esse mecanismo pode ajudar a gerar tratamentos para
doenças inflamatórias diversas, inclusive as crônicas, como Alzheimer e 
Parkinson, e também a obesidade”, ressalta. “Quem sabe será possível também
criar estratégias de proteção. Por meio do equilíbrio dessas bactérias,
poderíamos gerar maneiras de prevenir essas doenças”, cogita o médico
gastroenterologista.

Dos dentes ao intestino

As bactérias lácteas presentes em produtos como o leite e o queijo
fazem parte do grupo de micro-organismos mais úteis à saúde humana. A ingestão
dessas bactérias auxilia na digestão, na função imune, na redução do
colesterol, além de promover a saúde bucal e reduzir inflamações e respostas
alérgicas. Muitos produtos classificados como probióticos — que ajudam a
preservar a flora intestinal diversa — também têm essas bactérias em sua composição.


+ Saúde