Onda das Fake News já ganha notoriedade no campo jurídico do país

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  • Publicado em 29 de maio de 2018 às 17:23
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 18:46
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Falsas notícias são disseminadas diariamente na internet, mas autores podem ser punidos legalmente

Mais que a epidemia de febre amarela que tomou conta do Brasil nos últimos meses, uma nova febre vem assolando o país – e Franca já sente os reflexos, atingindo pessoas de todas as idades, credos, raças e classes sociais. Trata-se da fake News, expressão ouvida com frequência nos últimos tempos e que cada vez mais cria polêmicas que envolvem desde pequenas empresas até governos.

A expressão é usada para se referir a notícias falsas ou imprecisas, que, na maioria das vezes, são divulgadas pela internet, de maneira extremamente rápida e eficiente. E elas não englobam apenas as notícias em formato jornalístico, mas também tweets, propagandas, imagens manipuladas e até áudios do WhatsApp. Elas podem ser usadas para aplicar golpes, espalhar vírus, espalhar dúvidas infundadas sobre doenças, influenciar opiniões e até manipular o cenário político.

Suas manchetes alarmistas, com conteúdo falso, rendem muitos cliques. A audiência acaba atraindo anúncios publicitários que, por sua vez, tornam este mercado altamente rentável. Nos casos de postagens sem intuito lucrativo, a intenção é apenas gerar uma comoção pública – o que acaba envolvendo e prejudicando pessoas anônimas que, de repente, têm suas vidas expostas e são execradas na internet.

Foi o que aconteceu com uma mulher no litoral de São Paulo em 2014. Ela foi espancada até a morte em Guarujá após uma página no Facebook confundi-la com uma sequestradora de crianças. Dois anos depois, um homem, morador do estado do Rio de Janeiro, precisou se esconder após sua foto circular em mensagens pelo WhatsApp acusando –o falsamente de ser estuprador.

Mais recentemente, a vereadora Marielle Franco, mesmo após ter sido assassinada, foi vítima da fake News. Uma das histórias que circulou pela internet foi que ela teria sido casada com o traficante Marcinho VP e que teria engravidado dele aos 16 anos. Assim como este boato, outros caíram por terra com a apresentação da verdade.

Falsidade comprovada

Por tudo isso, essas notícias falsas ganham cada vez mais notoriedade no campo jurídico. Afinal, a disseminação de boatos ofensivos à honra de determinado indivíduo pode caracterizar os crimes de injúria – ofender a dignidade da vítima; calúnia – imputar a alguém um fato criminoso; e difamação – atribuir atitude desonrosa que afete publicamente a imagem da pessoa. “As consequências jurídicas de informações falsas tendem a serem ainda mais catastróficas em épocas eleitorais, como neste ano no Brasil”, observa o advogado Otávio Carvalho.

Ele diz que, atento à proteção do sistema democrático, o Código Eleitoral prevê em seu artigo 323 a detenção de dois meses a um ano ou pagamento de 120 a 150 dias de multa àquele que divulgar, na propaganda, fatos inverídicos em relação a partidos ou candidatos e ser capaz de exercer influência perante o eleitorado.

Segundo o advogado Otávio Carvalho, as consequências das notícias falsas em ano eleitoral são ainda piores

Um estudo realizado por pesquisadores do MIT – Instituto de Tecnologia de Massachusetts e publicado na revista “Science” utilizou a base de dados de seis sites e selecionou as informações com, pelo menos, 95% de concordância entre eles sobre a veracidade ou não de determinada notícia. Resultado: 126 mil rumores, espalhados por três milhões de usuários mais de 4,5 milhões de vezes.

Os dados comprovaram que a falsidade difundiu-se significativamente mais longe, mais rápido, mais profundamente e mais amplamente do que a verdade em todas as categorias de informação. Além disso, os pesquisadores avaliaram que quando a notícia falsa trata de política, a dispersão é ainda maior que as mentirosas notícias sobre terrorismo, desastres naturais, ciência, lendas urbanas ou assuntos financeiros.

Já a advogada Isis Teixeira diz que, caso seja possível comprovar que o compartilhamento causou dano à vítima, existe a possibilidade de condenação tanto no âmbito civil quanto penal do agente que divulga, ainda que sem criar, o conteúdo falso. “Isso se dá porque o Direito cuida especialmente da proteção moral da pessoa. Caso a conduta acarrete prejuízo, ainda que possa ser considerada menos reprovável, o responsável tem o dever de repará-lo”, explica.

Se comprovado o dano através das fake news, a advogada Isis Teixeira diz que é passível condenação

A advogada também pontua que ofender o nome, a imagem, a honra ou a reputação de alguém causa problemas. “É necessário ter cautela ao repassar notícias polêmicas, que tragam acusações infundadas, tenham cunho humilhante ou tratem da intimidade de terceiros, já que esse tipo de informação tem grande potencial lesivo”.

Como fica a lei?

Nesse cenário, existe o Projeto de Lei nº 6.812/2017, que criminaliza a divulgação e o compartilhamento de informação falsa ou incompleta na rede mundial de computadores. Seu autor diz que o objetivo do projeto é tipificar penalmente o ato de divulgar ou compartilhar notícia falsa na rede mundial de computadores, de modo a combater esta prática nefasta. O projeto de lei é absurdamente sucinto. O artigo primeiro diz que “constitui crime divulgar ou compartilhar, por qualquer meio, na rede mundial de computadores, informação falsa ou prejudicialmente incompleta em detrimento de pessoa física ou jurídica”. A pena, nesse caso, é de detenção de 2 a 8 meses e pagamento de 1.500 (mil e quinhentos) a 4.000 (quatro mil) dias-multa. O artigo segundo diz que “os valores decorrentes da imposição da multa a que se refere o artigo primeiro serão creditados à conta do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos – CFDD”. O artigo terceiro diz sobre a vigência da lei, que ainda tramita a passos de tartaruga na Câmara dos Deputados. O projeto só vai acelerar mesmo quando um dos figurões for prejudicado no acirrado processo eleitoral deste ano.