Venda e consumo de bebidas alcoólicas aumentam com isolamento

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  • Publicado em 4 de abril de 2020 às 20:08
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 20:34
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Comportamento tem preocupado profissionais que atuam na área, que lançam alerta sobre os excessos

Sem mesa de bar, mas com a copo e a taça na mão. O isolamento domiciliar imposto para frear o novo coronavírus no país tem mudado os hábitos dos mais boêmios e levou ao aumento das vendas de bebidas alcoólicas nos supermercados.

Segundo levantamentos realizados, houve aumento médio entre 20% e 27% na venda das bebidas alcoólicas em todo o país.

Para muita gente, a bebida de fim de semana, aos poucos, foi se estendendo para os dias úteis.

É o caso da publicitária Ana Laura de Lima, de 34 anos, que admite que, por conta da agitada rotina, costumava beber apenas aos finais de semana.

Agora, com a necessidade de trabalhar em casa e ficar confinada todos os dias, diz que passou a ter o hábito de tomar uma taça de vinho todos os dias. “Mas quando está muito calor, entre a entrega de um trabalho e outro, acabo abrindo uma cervejinha”, diz.

Esse comportamento tem preocupado profissionais que atuam na área. O Centro de Informações Sobre Saúde e Álcool (Cisa), referência no assunto, lançou um alerta sobre os riscos do aumento do consumo de álcool nesse período de quarentena em casa.

Alcoólicos Anônimos (AA) está, desde a semana passada, realizando encontros virtuais para acolher integrantes e novos membros que esbarram nesse problema.

“Foi uma surpresa para todos nós. Não tínhamos ideia de que, ao viver o confinamento, iriam ocorrer as happy hours virtuais diariamente. Não imaginávamos que seria tão comum e isso está acontecendo com quem não tem dependência. São trabalhadores que não faziam uso de álcool de forma regular e, agora, bebem no almoço e todos os dias à noite. Ainda não é uma dependência, mas é nesta hora que precisamos ficar atentos”, diz Arthur Guerra, psiquiatra e presidente executivo do Cisa.

Segundo Guerra, a população se vê em uma situação em que não pode beijar, abraçar, pegar na mão e ter contato com outras pessoas e o álcool acaba sendo utilizado como uma forma de relaxar diante deste quadro assustador.

Mas ele pode causar uma série de problemas, principalmente se o consumo sair do controle. 

Idosos e pessoas com doenças crônicas que integram o grupo de risco e que podem evoluir para os quadros mais graves caso tenham o novo coronavírus, devem tomar ainda mais cuidado.

“Não é fazer um discurso pela abstinência, porque o problema é o exagero. O álcool em excesso diminui a imunidade, causa alterações no fígado, coração, músculos, pulmões, ossos e cérebro. Aumenta o risco para AVC (Acidente Vascular Cerebral). Ele está ligado a 200 doenças. As pessoas precisam ter o instinto de autopreservação neste momento”, pontua.

O psiquiatra diz ainda que a bebida alcoólica em excesso pode agravar quadros de depressão e ansiedade. “Parece ajudar no começo, mas deixa as pessoas mais deprimidas e ansiosas. Não vai ajudar quem tem problema psicológico, só vai piorar.”

Com base em definições do NIAAA, sigla em inglês do Instituto Nacional sobre Abuso de Álcool e Alcoolismo, entidade norte-americana, o limite de consumo de álcool é de, no máximo, quatro doses em um único dia ou 14 doses semanais para homens e três doses em um único dia ou sete semanais para mulheres e pessoas com mais de 65 anos.

Uma dose equivale a 350 ml de cerveja, 150 ml de vinho ou 45 ml de bebidas destiladas, como vodca, cachaça, uísque, gin e tequila.

AA faz reuniões virtuais

A necessidade de evitar aglomerações não interrompeu as tradicionais reuniões do Alcoólicos Anônimos (AA), que está promovendo encontros virtuais desde o dia 23 de março.

O isolamento pode contribuir para que pessoas desenvolvam a dependência e também tenham recaídas. O link está disponível no site da entidade.

“O fechamento dos grupos causaria um impacto grande no monitoramento da recuperação desses membros. Sabemos do risco do isolamento, que acaba sendo um propulsor e uma causa para o alcoolismo. A diretoria administrativa pensou em fomentar as reuniões a distância, que ainda eram muito tímidas. A demanda gerou essa necessidade de desenvolver as salas de reunião”, explica Camila Ribeiro de Sene, presidente da junta de serviços gerais de AA do Brasil.

Segundo Camila, o AA tem cerca de 5 mil grupos com uma média de dez pessoas cada um. Para que as reuniões continuem, integrantes das mesmas regiões estão sendo agrupados nas salas online.

Embora a entidade não faça cadastro dos integrantes, tendo em vista a proposta de anonimato, a estimativa é de que pouco mais da metade dos grupos já esteja realizando os encontros por meio virtual.

“Por incrível que pareça, pessoas estão ingressando na irmandade por causa da ferramenta. Nossa maior preocupação é que a pessoa tenha um espaço para enfrentar dificuldades, encontrar estratégias para se fortalecer e ficar sóbrio.”

*Com Estadão


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